O homem que tinha tudo - Conto #01
O problema de Jorge era os outros.
Ele amava Antônio, melhor amigo de infância, mas a mulher do sujeito era uma gata de cair o queixo, e isso deixava Jorge furioso; ele acabava descontando na esposa, não suportava conversar com a mulher porque sempre que olhava para ela, enxergava a do Antônio.
O carro do Jorge era bem legal, SUV, comprou zero. O problema é que o vizinho da casa da frente era muito rico, e tinha duas Mercedes, e para piorar o rapaz era uns 10 anos mais novo que ele. Isso virou um problemão na vida do rapaz: começou a chegar atrasado no trabalho porque não suportava sair na mesma hora que aquele moleque, então ficava mexendo no celular esperando ouvir o som do motor da Mercedes se afastar para poder sair.
Jorge não era feio, mas tinha vergonha do seu braço fininho e da pancinha que acumulou ao longo dos anos, então sempre arrumava uma desculpa para não ir na academia que se matriculou um tempo atrás. Toda vez que ia, saía de lá louco da vida: como esses caras são tão fortes? Que desgraça, todo mundo fica me olhando e pensando “olha lá o Jorge, o que esse tiozinho tá fazendo aqui? KKKKK”.
Acontece que a vida dele era muito boa: três filhos, saudáveis, só nota alta no colégio — um era com certeza uma grande promessa do futebol, inclusive —, a esposa era bem bonita (há até quem diga que mais que a do Antônio), a casa tinha 5 quartos, o terreno 2 mil metros quadrados — ele herdou do avô, veja só —, e o tal do Jorge ainda tirava 30 mil por mês como servidor público.
Tinha tempo para jogar bola, fazer churrasquinho com os amigos toda sexta, viajar duas vezes por ano, dormir até mais tarde no sábado… uma vida de causar inveja a muitos.
Mas o demônio é um bicho traiçoeiro, e ele tinha encucado com o tal do Jorge; queria porque queria levar o homem pro inferno. E o pior de tudo é que, no fundo, Jorge sentia prazer em sentir ressentimento; estava tão acostumado a reclamar de tudo e invejar todo mundo que já não queria mais viver sem isso.
Bom, o tempo passou e não ouvi mais falar do sujeito. Foi uma semana atrás que me contaram que ele faleceu: ataque cardíaco, com 52 anos de idade. Disseram que a mulher estava feliz da vida porque já não via a hora de se divorciar (descobriu que ele ficava de conversa com as mocinhas lá do tribunal). No funeral estava o Antônio e a esposa, mais uns gatos pingados que não tinham brigado com o Jorge — ouvi falar que as pessoas foram se cansando de tanta reclamação e fofoca que, uma a uma, foram abandonando o homem.
É… fiquei triste em saber disso tudo, ainda mais porque esses dias mesmo conheci a Marina… moça muito boa, mas me fez lembrar do Jorge…
AMDG
Elton
Estou exatamente relendo A Morte de Ivan Ilitch e acabei de regravar a última aula da minha Masterclass Uma Canção de Natal, simplesmente tudo a ver com esse conto. Você conseguiu trazer pros dias de hoje as experiências desses dois livros. Continue, Elton!!
Muito bom! Falou comigo.